A MENTE INDIVIDUAL E A MENTE CÓSMICA
SWAMI SHRADDHANANDA
Um homem e uma
mulher estavam um em frente ao outro no lado de fora da prefeitura, cada um
tentando ler a mente do outro. O homem era um professor que há pouco havia
terminado de proferir uma longa conferência pública; a mulher era uma das
pessoas que havia assistido à conferência. O professor pensou: “ela deve estar
admirando a minha grande erudição.” Mas em verdade a mulher estava pensando:
“que homem mais orgulhoso e arrogante! É muito desagradável ouvi-lo.” Trajando
um caro vestido de seda, as mulher pensou, “o
cavalheiro deve ter ficado cativado pela minha aparência.” Mas o que o
professor em verdade estava pensando era “quão fútil da parte dela fazer um
show com esse traje.”
A
tentativa de cada uma das pessoas em ler a mente da outra revelou-se
um fracasso e este é justamente o único resultado que se poderia esperar. A
mente individual é uma entidade individual coberta por uma espécie de parede
impenetrável; é muito difícil para uma outra mente fazer
um contato direto com ela. Cada um de nós tem a sua própria mente; não é possível para nossos vizinhos, mesmo os nossos amigos mais
próximos, saber o que está acontecendo lá. É fácil ter um conhecimento direto
de um outro corpo a partir de sua aparência, mas isso
não é possível quando se trata da mente.
O
que podemos saber da mente do outro é frequentemente
apenas conjetura. Restritos aos limites de nossa própria compreensão e
desconhecida para os outros, a mente permanece sendo a nossa companhia constante.
Ela nos serve em nossas ações físicas, especulações intelectuais e condutas
morais. Por vezes é amiga. Outras vezes se torna hostil. Mesmo então não temos
outra escolha a não ser suportá-la, sofrendo com paciência. Finalmente, quando
aspiramos à verdade transcendental, é com a nossa própria mente individual que
temos de lutar. É a mente que deve nos mostrar o caminho para ir além da mente!
Enquanto
a mente individual passa por vários graus de transformação, tanto bons como
maus, permanece o fato de que em nenhum estágio é possível para alguém fora de
nós mesmos experimentá-la diretamente. A mente
individual é uma posse exclusiva de cada pessoa.
De
modo geral não é necessário conhecer a natureza da mente. É suficiente para nós
sentir que temos uma mente e que podemos receber a sua ajuda em nossas várias
atividades. Mas há ocasiões em que pensamos acerca de sua natureza e então
indagamos sobre a sua constituição e modo de operar.
Por
exemplo, vejo alguma coisa a uma certa distância e
minha mente imediatamente tem o conhecimento dela. De alguma forma a minha
mente sai de meu corpo e toca esse objeto distante? Algumas escolas da
filosofia hindu explicam a percepção por meio dessa pressuposição. Parte do
pressuposto de que na percepção, o órgão dos sentidos ( nesse
caso os olhos ) primeiro contatam o objeto; então a mente – que é algo muito
sutil – sai do corpo para formar uma onda ou vritti,
que é similar ao objeto.
Além
disso, quando estou profundamente absorvido pensando em uma pssoa
querida que se encontra milhas distante, estou
totalmente distraído quanto às coisas meu ambiente presente. A minha mente
avança para aquele local distante de alguma forma incompreensível?
Similarmente, quando a minha mente está profundamente ocupada com algum
acontecimento do passado, e no momento atual, parece
totalmente desligada do presente, eu penso: Tem a minha mente o poder mágico de
mover-se para frente ou para trás no tempo? Consideremos ainda um outro enigma: não posso colocar um rigoroso limite para
as formas que a minha mente assume. Em um momento ela pensa em uma partícula e
no momento seguinte ela pensa em uma montanha. O último pensamento não acarreta
necessariamente um trabalho adicional embora o seu conteúdo seja infinitamente
mais imponente. A mente parece Ter uma grande liberdade na geração de formas
pensamento.
Essas
são algumas questões que fazemos a respeito de nossas próprias mentes. 0 psicólogo profissional pode não se incomodar com essas
questões singelas, mas algumas vezes verdades extraordinárias começam a ser
compreendidas por meio de canais simples.
Portanto,
quando me encontro propenso a um estado metafísico, posso ser levado a atribuir
as seguintes características a minha mente:
1. Minha mente é
feita de um material muito sutil – muito mais sutil que o material de que é
feito o corpo;
2. Minha mente
tem mobilidade. Os sábios antigos corretamente consideraram a mente como a
coisa mais veloz do universo;
3. Minha mente é
tanto ampla quanto difusa;
4. Minha mente possue grande criatividade.
Minha mente não está
rigidamente confinada dentro das paredes de meu corpo. Ela pode atuar sobre
outras mentes. Pode haver um elemento de verdade nas descobertas sobre a
clarividência e telepatia que não podem simplesmente ser repelidas – embora
falem de alguns fenômenos pouco usuais e incompreensíveis. A filosofia Yoga
fala de verdades muito mais interessantes sobre a mente. A mente tem inopinados
poderes ocultos, e por métodos especiais é possível desenvolver esses poderes e
assim estender os limites da mente. Naturalmente, para nós a mente ainda
permanece como uma mente individual que opera por meio do corpo.
Há,
portanto, várias graduações da mente individual – começando pela mente comum e
terminando na altamente desenvolvida mente “yogica”.
Diferentes tons de consecuções morais e intelectuais se situam entre os dois
extremos. Entretanto, em nenhum desses estágios a mente deixa de ser
individual. Mas em decorrência de sua inerente capacidade criativa, a mente por
vezes se rebela contra as limitações da individualidade. E isso é o que nos
conduz ao conceito do que é chamado de mente cósmica.
A
noção de mente cósmica é muito antiga. Ela emerge do conceito de um Deus
pessoal – o Deus Criador e Supremo Senhor deste mundo. O Deus pessoal deve ser
um ser consciente. Uma vez Ele sendo um ser consciente, Ele deve ter uma mente.
Entretanto, Seus pensamentos e processos mentais não são similares aos nossos.
Em um simples momento Ele pode dedicar-se à milhares
de coisas! Ele pode estar presente em um evento em uma distante estrela, e ao
mesmo tempo Ele sabe o que se passa no menor átomo de nosso mundo. Acreditamos
que Deus tem o poder de conhecer tudo em cada momento. Portanto a mente de Deus
deve ser universal ou cósmica. O que quer que tenha existência está na mente de
Deus. O que quer que aconteça é conhecido da mente de Deus.
Mesmo
que não acreditemos em Deus, há outras considerações que nos convencem a
aceitar o conceito de mente cósmica. Vemos ordem e criatividade neste universo:
de onde elas vem? Quando olhamos para dentro de nossas
próprias mentes, encontramos a faculdade de associar diversos elementos em um
harmonioso todo; reconhecemos e usamos relações de causa e efeito entre as
coisas e os eventos. Pensar de forma ordenada e intencional é uma função da
mente; quando vemos o universo fora de nós mesmos, vemos tanto uma ordem nas
coisas e eventos que indicam para certos propósitos definidos. O universo não é
caótico; é uma universo ordenado projetado e dirigido
pelo trabalho de uma mente. Devemos concluir que por trás de todos esses fenômenos
está uma mente inteligente. Se não quisermos chamá-la de Deus, podemos chamá-la
natureza mas a sua função essencial é pensar de uma
forma sistemática, da mesma forma como a própria mente individual pensa. A
partir dessas pressuposições sabemos que muitos filósofos e alguns cientistas –
à parte de qualquer consideração religiosa – tem pensado neste universo como
uma mente
manifesta.
Esta
figura da mente cósmica pode no máximo nos dar satisfação intelectual. Ela não
nos dá a grande satisfação espiritual de compreender nosso amado Deus com o
mestre Inteligente e Criador, cuja grande mente opera através desta múltipla
criação – e que é a perspectiva religiosa. Esta perspectiva religiosa diz que
por meio da oração e meditação nossas mentes individuais podem entrar em
contato com essa grande Mente com o objetivo de realizar o Seu conhecimento,
amor e alegria.
Quando
a pequena mente se cansa de sua individualidade, ela procura formular uma mente
cósmica por meio do raciocínio lógico. Através do raciocínio, entretanto, a
mente cósmica permanece apenas como um conceito para a mente individual. Ele é
um pensamento sublime e poderoso, sem dúvida, mas ele ainda não tem a
inquestionável validade da experiência direta. Não podemos ver por nós mesmos o
que é a mente cósmica. Só podemos supor a mente universal a partir de certos
fatos dentro de nossa mente e de certos fatos externos a nós próprios em
natureza. Através o raciocínio não podemos conhecer,
saber o que a mente cósmica é.
A
Vedanta desenvolveu sua própria idéia a respeito de
uma mente cósmica. De acordo com a Vedanta, a mente
cósmica não é um mero conceito, mas um fato indubitável de nossa própria
experiência. Podemos conhecer a mente cósmica diretamente por nós mesmos.
Quando olho para a minha mente no estado de vigília, descubro que ela tem dois
aspectos: primeiro, o conteúdo pensamento, e segundo, a consciência
circunjacente ao pensamento. Não é possível ter um pensamento sem ter
consciência dele. Essa consciência opera por meio da mente, iluminando tudo o
que ocorre no campo mental.
“Pensamento”
quer dizer pensamento consciente. Ele é um amálgama de conteúdo objetivo e do
intrínseco fulgor da mente. Tanto quanto o nosso estado de vigília está
envolvido, sabemos que ele consiste de um amálgama de várias coisas: por vezes
a percepção de uma visão, por vezes de um som, por vezes de um toque, outras
vezes de emoções, desejos e sentimentos. Esses vários aspectos devem passar
pela mente, e cada dia de meu estado de vigília é a soma total desses vários
aspectos separados.
Então
vou dormir, e sonho. O estado de vigília é desligado e sou conduzido para
dentro de um novo mundo. Muitas coisas que não são familiares ao meu mundo de
vigília, aparecem diante de mim. Vejo pessoas; vejo coisas; vejo eventos.
Parece ser uma nova vida, uma nova experiência similar à experiência do mundo
de vigília. Quando acordo, sei que o mundo dos sonhos era puramente imaginário
– uma fantasia de minha mente. Esta é uma experiência comum; contudo a questão
que fica é como mente pode criar, conectar e experimentar coisas no estado de
sonho. Finalmente, porque a mente experimenta a realidade do sonho tão
intensamente quanto no estado de vigília?
Enquanto sonhamos
não nos damos conta de que é somente a mente que está produzindo o sonho. Somente
quando acordamos descobrimos esse truque. De alguma forma a mente é capaz a
criar um mundo próprio com seu próprio espaço e tempo e com suas próprias
noções de causalidade. A sequência causal no sonho é
bastante diferente daquela do estado de vigília. Muitas coisas estranhas podem
ocorrer que possivelmente não poderiam acontecer no estado de vigília. Toda a
ordem de causalidade está virada de cabeça para baixo. A mente no estado de
sonho de alguma forma tem o poder de criar coisas e conectá-las de tal forma
que, mesmo que sejam impossíveis de acordo com as regras do mundo de vigília,
elas parecem se encontrar em um estado de boa ordem!
A experiência do
estado de sonho, quando analisamos suas implicações cuidadosamente, nos leva a
estas conclusões: primeiro, a mente no estado de sonho tem um poder ilimitado
para criar coisas; segundo, ela tem o poder de conectar coisas em uma nova
ordem de tempo, espaço e causalidade; ela tem o poder de proporcionar um senso
de realidade para suas criações.
Vejamos um outro estágio, o do sono profundo. No sono profundo não
sonho; não há pensamento. Mas quando acordo na manhã seguinte, percebo que
estou revigorado. Penso que dormi muito profundamente. Pelo menos
temporariamente, meus nervos foram acalmados: não tive preocupações; desfrutei
de grande ventura. A minha memória me transmite essas idéias. A questão continua, o que ocorre à minha mente e personalidade no sono
profundo? Minha mente mostra certas características no estado de vigília; no
estado de sonho ela mostra características diferentes. Quando vem o sono
profundo, quais são as características da mente?
Quando procuro
recordar minha experiência no estado de sono profundo, lembro um espécie de vazio; mas ao mesmo tempo não posso negar que
eu, como o que experimentou aquele vazio, estava lá. De fato, há um sentimento
de identidade nos diferentes níveis de experiência. De alguma forma conservo a
minha identidade em todos os três estados.
O que me dá esse
forte senso de identidade em todos os três estados? A Vedanta
diz que é necessário distinguir entre dois aspectos da mente no estado de
vigília: o aspecto do conteúdo do pensamento e o aspecto da Consciência.
Pensamento e Consciência estão associados de tal forma que não fazemos
distinção entre eles; e para os propósitos comuns não é necessário separá-los.
Mas quando chegamos às verdades mais profundas da vida, devemos fazer uma
análise mais ampla. Há um elemento permanente em nossa mente que nos dá o sendo
de nossa identidade através dos vários estados de experiência; esse elemento é
a Consciência. Na filosofia Vedanta o primeiro é
chamado drasti,
o conhecedor, e o segundo é drishya, o
conhecido. As formas pensamento mudam, mas o Iluminador dessas formas não.
A partir desses
indícios, podemos estender este conhecimento em outras direções para descobrir
o fator permanente da mente. Vamos imaginar onde nos encontrávamos antes de
nascer. Surge um quadro de escuridão e digo, “bem, não sei. Talvez fosse
escuridão – e de repente apareci. Eu estava ausente antes de meu nascimento!”
Superficialmente esta parece uma boa resposta. Mas se analisamos o assunto
profundamente, vamos descobrir que mesmo com o conceito de escuridão ou vazio,
algum elemento de minha personalidade está convicto de sua própria existência.
De alguma forma eu, de certo modo, me situo naquele passado distante e vejo por
mim mesmo aquele vazio existente antes de meu nascimento. Posso me lembrar
daquele vazio, mas ainda assim estou lá de alguma forma. Esse é o meu senso de
identidade. No âmago de minha personalidade lá está o mesmo “eu” mesmo quando
procuro me lembrar de meu estado anterior ao meu nascimento!
Permita-me imaginar
agora o que irá acontecer no momento de minha morte: possivelmente um dia ficarei doente; as condições se tornarão piores e
gradualmente toda as funções mentais se tornarão confusas. Então o coração vai
parar e corpo morrerá. Posso visualizar esse quadro, mas o que acontecerá
aquele “eu”? Inconscientemente, não fui capaz de retirar a minha mente daquele
quadro. Com o propósito de ver a minha própria morte, estou presente de alguma
forma naquele distante futuro. Quando analisamos esses conceitos, as
implicações se tornam claras.
Não é possível
anular o Observador, o elemento da mente que continuamente apresenta o senso de
identidade diante de nós. Por trás da série de pensamentos do ego – o “eu” que
está sempre presente – há um elemento permanente de minha mente que é o
imutável Observador das coisas. O Observador dos estados de vigília, sonho e
sono profundo, e o Observador do que existiu antes do nascimento e bem como do
após morte, é o fator permanente de nossas mentes que jamais pode ser
eliminado.
A Vedanta diz que esta parte permanente – se nos é permitido
usar a palavra “parte” – de nossa mente é a Consciência. A Consciência é algo
como uma inalterável luz que lança seus raios sobre cada pensamento; é então
que esses pensamentos se tornam significativos. Sem esse raio de luz, nenhum
pensamento é possível, nenhuma ação é possível. A mente individual mantém
dentro de si um tesouro muito precioso, o tesouro da Consciência. E esta
Consciência não é uma consciência individual, no sentido como falamos de nossas
mentes individuais. Esta Consciência não tem limites. Nada pode restringir esta
Consciência. Tudo o que pensamos e tudo com o que entramos em
contato está na categoria do segundo aspecto da mente, o do conteúdo do
pensamento – drishya, ou o elemento objetivo da mente.
O elemento
consciente da mente não tem nascimento nem morte. A mente individual sempre
traz consigo este grande poder mas não somos
suficientemente cuidadosos em vê-lo. É o elemento consciente que conhece e faz
com que nossa personalidade tenha um senso de identidade em todos os possíveis
estados da vida. O propósito da investigação da Vedanta
é tornar possível a compreensão desse aspecto da mente.
Podemos constatar
que este elemento permanente da mente, a Consciência, nada mais é que a
consciência cósmica. Se por um momento podemos nos identificar com essa
Consciência, que está por traz de nosso mundo fenomenal – nossos corpos,
pensamentos e ações – vamos saber que somos o infinito, a Mente Infinita pela
qual toda esta múltipla criação se manifesta. Então tudo neste universo se
torna um pensamento dessa consciência cósmica que é a Consciência.
No momento em que me
identifico com essa mente cósmica, constato que todo o universo está em mim. O
corpo, e tudo mais que exista neste mundo, está em mim. Essa é a declaração da Vedanta e essa é real verdade da mente cósmica.